sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A Ferida

 Eu pude sentir quando a podridão e a arrogância transbordaram no canto da minha boca e mancharam as minhas roupas brancas. Também pude sentir o colapso da minha humanidade cada vez que eu fechava os olhos para dormir e sorria para a doença do mundo.
 Podia ouvir o silêncio dos loucos, daqueles que rastejavam e escarravam na própria sombra, o lamentar dos deuses e o barulho que fazia quando a morte soluçava, enquanto me sentava em meu trono de merda e dividia uma taça de vinho com deus. Mas não pude reconhecer com clareza o momento em que senti uma forte dor no estômago, como um chute ou um verme que engolia minhas entranhas, e que descobri, então, que havia vida dentro de mim. Eu sangrei para saber saber que estava vivo e suspirei ao lembrar do quanto vaguei morto e cinza debaixo dessas nuvens negras e carregadas que esperam o momento exato para cuspirem suas amarguras sobre nossas cabeças.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O Bêbado

  Não viveu muito mais do que a imaginação pode lhe permitir e não imaginou muito mais do que a vida deixou. Rolou de tristeza algumas vezes e em nenhuma delas chorou de felicidade. 
 Por entre os dedos curtos deixou que as palavras escapassem como palpitações e então o silêncio se fez presente e tornou-se companhia quando deveria ser ausência. Suspirou pouco mais do que se lamentou e dissolveu-se numa garrafa de vodka como se esta fosse a limonada mais azeda que jamais havia tomado e a vida menos amarga que jamais tinha vivido.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Desencontros

 Do fundo de sua boca fina e amarga, lançou seu silêncio como um enorme escarro amarelado e canceroso sobre mim. O impacto foi forte e me fez afundar no sofá junto à minha alma tuberculosa que se esvaia em cada trago do cigarro mesquinho que pairava entre meus dedos. 
 Enquanto isso o mundo gira, gira e gira e eu não saio do lugar.